LP - APRENDER SEMPRE AULAS 7 e 8 (SEMANA 3 / 4º BIM 2020)
“O
Brasil não tem povo, tem público.”
Lima Barreto
Olá!
O roteiro desta semana
refere-se as aulas 7 e 8 que encerrarão a Sequência de Atividades 1 do Material
Aprender Sempre. As atividades estão organizadas em torno de um conto muito
interessante chamado “O Único Assassinato de Cazuza” escrito pelo influente
autor pré-modernista, Lima Barreto.
Espero que gostem do
conto! A proposta é que vocês o leiam atentamente e, depois, ouça uma versão
dramatizada que será disponibilizada ao final deste roteiro.
Os objetivos das
atividades a seguir estão focados na análise dos efeitos de sentido produzidos
no texto através dos recursos expressivos utilizados.
Comecemos!!!
De início, você fará a leitura de
uma 1ª parte do conto. Ao final será apresentado a você algumas reflexões importantes
para ajuda-lx na compreensão do texto. Não é obrigatório o registro das
respostas das reflexões.
Antes,
conheça um pouco sobre o autor da obra:
LIMA BARRETO
Lima
Barreto é um escritor brasileiro pré-modernista nascido em 13 de maio de 1881 e
falecido em 01 de novembro de 1922 (aos 41 anos de idade). Negro, descendente de escravos, sentiu na pele a
exclusão social devido à sua origem, inclusive nos meios acadêmicos. Além do
alcoolismo, enfrentou diversos problemas de saúde em sua vida e foi internado
em hospício por mais de uma vez.
Recordações do escrivão Isaías Caminha foi seu primeiro livro publicado, em 1909. Entretanto, Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) é o preferido pela crítica literária. Suas obras são realistas e trazem uma visão crítica da sociedade brasileira. O escritor trabalha, com ironia, não só a temática nacionalista, como também discute as diferenças sociais e a questão do preconceito racial. Como ele escreveu em seu Diário íntimo (1953): “A capacidade mental dos negros é discutida a priori e a dos brancos, a posteriori”.
(PARTE 1)
HILDEGARDO BRANDÃO,
conhecido familiarmente por Cazuza, tinha chegado aos seus cinquenta anos e
poucos, desesperançado; mas não desesperado. Depois de violentas crises de
desespero, rancor e despeito, diante das injustiças que tinha sofrido em todas
as coisas nobres que tentara na vida, viera-lhe uma beatitude de santo e uma
calma grave de quem se prepara para a morte.
Tudo tentara e em tudo
mais ou menos falhara. Tentara formar-se, foi reprovado; tentara o
funcionalismo, foi sempre preterido por colegas inferiores em tudo a ele, mesmo
no burocracismo; fizera literatura e se, de todo, não falhou, foi devido à
audácia de que se revestiu, audácia de quem “ queimou os seus navios”. Assim
mesmo, todas as picuinhas lhe eram feitas. Às vezes, julgavam-no inferior a
certo outro, porque não tinha pasta de marroquim; outras vezes tinham-no por
inferior a determinado “antologista”, porque semelhante autor havia, quando
“encostado” ao Consulado do Brasil, em Paris, recebido como
presente do Sião, uma bengala de legítimo
junco da Índia. Por essas do rei e outras ele se aborreceu e resolveu
retirar-se da liça. Com alguma renda, tendo uma pequena casa, num subúrbio
afastado, afundou-se nela, aos quarenta e cinco anos, para nunca mais ver o
mundo, como o herói de Jules Verne, no seu “Náutilus”. Comprou os seus últimos
livros e nunca mais apareceu na Rua do Ouvidor. Não se arrependeu nunca de sua
independência e da sua honestidade intelectual.
Aos
cinquenta e três anos, não tinha mais um parente próximo junto de si. Vivia,
por assim dizer, só, tendo somente a seu lado um casal de pretos velhos, aos
quais ele sustentava e dava, ainda por cima, algum dinheiro mensalmente.
A
sua vida, nos dias de semana, decorria assim: pela manhã, tomava café e ia até
a venda, que supria a sua casa, ler os jornais sem deixar de servir-se, com
moderação, de alguns cálices de parati, de que infelizmente abusara na mocidade.
Voltava para a casa, almoçava e lia os seus livros, porque acumulara
uma pequena biblioteca de mais de mil
volumes. Quando se cansava, dormia. Jantava e, se fazia bom tempo, passeava a
esmo pelos arredores, tão alheio e soturno que não perturbava nem um namoro que
viesse a topar.
Aos
domingos, porém, esse seu viver se quebrava. Ele fazia uma visita, uma única e
sempre a mesma. Era também a um desalentado amigo seu. Médico, de real
capacidade, nunca o quiseram reconhecer porque ele escrevia “propositalmente” e
não “propositadamente”, “de súbito” e não - “às súbitas”, etc., etc. Tinham
sido colegas de preparatórios e, muito íntimos, dispensavam-se de usar
confidências mútuas.
Glossário
Soturno: tristonho, que demonstra melancolia ou
tristeza.
Antologista: autor de antologia.
Jules Verne: romancista francês, que ajudou a fundar
um novo gênero literário, a ficção científica; “Vinte mil léguas submarinas” é
um de seus livros, no qual aparece o submarino Náutilus.
1. Que
tipo de conto é esse, de humor, terror, romance etc?
2. Descreva com suas palavras a personagem desse conto.
3. Que tipo de narrador o conto apresenta
(PARTE 2)
Naquele domingo, o
Cazuza, para os íntimos, foi fazer a visita habitual a seu amigo doutor
Ponciano. Este comprava certos jornais; e Hildegardo, outros. O médico
sentava-se a uma cadeira de balanço; e o seu amigo numa dessas a que chamam de
bordo ou; de lona. De permeio, ficava-lhes a secretária. A sala era vasta e
clara e toda ela adornada de quadros anatômicos. Liam e depois conversavam.
Assim fizeram, naquele domingo.
Hildegardo disse, ao
fim da leitura dos quotidianos:
- Não sei como se pode
viver no interior do Brasil.
- Por quê?
- Mata-se à toa por dá
cá aquela palha. As paixões, mesquinhas paixões políticas, exaltam os ânimos de
tal modo, que uma facção não teme eliminar o adversário por meio do
assassinato, às vezes o revestindo da forma mais cruel. O predomínio, a chefia da
política local é o único fim visado nesses homicídios, quando não são questões
de família, de herança, de terras e, às vezes, causas menores. Não leio os
jornais que não me apavore com tais notícias. Não é aqui, nem ali; é em todo o
Brasil, mesmo às portas do Rio de Janeiro. É um horror!
[...]
- Aqui, a diferença não
é tão grande para o interior nesse ponto. Já houve quem dissesse que, quem não
mandou um mortal deste para o outro mundo, não faz carreira na política do Rio
de Janeiro.
- É verdade; mas, aqui,
ao menos, as naturezas delicadas se podem abster de política; mas, no interior,
não. Vêm as relações, os pedidos e você se alista. A estreiteza do meio impõe
isso, esse obséquio a um camarada, favor que parece insignificante. As coisas
vão bem; mas, num belo dia, esse camarada, por isso ou por aquilo, rompe com o
seu antigo chefe. Você, por lealdade, o segue; e eis você arriscado a levar uma
estocada em urna das virilhas ou a ser assassinado a pauladas como um cão
danado. E eu quis ir viver no interior! De que me livrei, santo Deus.
- Eu já tinha dito a
você que esse negócio de paz na vida da roça é história. Quando cliniquei, no interior,
já havia observado esse prurido, essa ostentação de valentia de que os caipiras
gostam de fazer e que, as mais das vezes, é causa de assassinatos estúpidos.
Poderia contar a você muitos casos dessa ostentação de assassinato, que parte
da gente da roça, mas não vale a pena. É coisa sem valia e só pode interessar a
especialistas em estudos de criminologia.
- Penso - observou
Hildegardo - que esse êxodo da população dos campos para as cidades, pode ser em
parte atribuído à falta de segurança que existe na roça. Um qualquer cabo de
destacamento é um César naquelas paragens - que fará então um delegado ou
subdelegado. É um horror!
Os dois calaram-se e,
silenciosos, se puseram a fumar. Ambos pensavam numa mesma coisa: em encontrar
remédio para um tão deplorável estado de coisas. Mal acabavam de fumar,
Ponciano disse desalentado:
- E não há remédio.
Hildegardo secundou-o.
- Não acho nenhum.
Continuaram calados
alguns instantes, Hildegardo leu ainda um jornal e, dirigindo-se ao amigo,
disse:
- Deus não me castigue,
mas eu temo mais matar do que morrer.
[...]
- Eu também; mas você
sabe o que dizem esses políticos que sobem às alturas com dezenas de assassinatos
nas costas
- Não.
- Que todos nós
matamos.
Hildegardo sorriu e fez
para o amigo com toda a serenidade:
- Estou de acordo. Já
matei também.
O médico espantou-se e
exclamou:
- Você, Cazuza!
- Sim, eu! - confirmou
Cazuza.
- Como? Se você ainda
agora mesmo…
- Eu conto a coisa a
você. Tinha eu sete anos e minha mãe ainda vivia. Você sabe que, a bem dizer,
não conheci minha mãe.
- Sei.
- Só me lembro dela no
caixão quando meu pai, chorando, me carregou para aspergir água benta sobre o
seu cadáver. Durante toda a minha vida, fez-me muita falta. Talvez fosse menos
rebelde, menos sombrio e desconfiado, mais contente com a vida, se ela vivesse.
Deixando-me ainda na primeira infância, bem cedo firmou-se o meu caráter; mas,
em contrapeso, bem cedo, me vieram o desgosto de viver, o retraimento, por
desconfiar de todos, a capacidade de ruminar mágoas sem comunicá-las a ninguém
- o que é um alívio sempre; enfim, muito antes do que era natural, chegaram-me
o tédio, o cansaço da vida e uma certa misantropia.
Notando o amigo que
Cazuza dizia essas palavras com emoção muito forte e os olhos úmidos, cortou-lhe
a confissão dolorosa com um apelo alegre:
- Vamos, Carleto; conta
o assassinato que você perpetrou.
Hildegardo ou Cazuza
conteve-se e começou a narrar.
- Eu tinha sete anos e
minha mãe ainda vivia. Morávamos em Paula Matos... Nunca mais subi a esse
morro, depois da morte
de minha mãe…
- Conte a história,
homem! - fez impaciente o doutor Ponciano.
- A casa, na frente,
não se erguia, em nada, da rua; mas, para o fundo, devido à diferença de nível,
elevava-se um pouco, de modo que, para se ir ao quintal, a gente tinha que
descer uma escada de madeira de quase duas dezenas de degraus. Um dia, descendo
a escada, distraído, no momento em que punha o pé no chão do quintal, o meu pé
descalço apanhou um pinto e eu o esmaguei. Subi espavorido a escada, chorando,
soluçando e gritando: “Mamãe, mamãe! Matei, matei...” Os soluços me tomavam a
fala e eu não podia acabar a frase. Minha mãe acudiu, perguntando: “O que é,
meu filho! Quem é que você matou?” Afinal, pude dizer:
“Matei um pinto, com o
pé.”
E contei como o caso se
havia passado. Minha mãe riu-se, deu-me um pouco de água de flor e mandou-me
sentar a um canto: “Cazuza, senta-te ali, à espera da polícia.” E eu fiquei
muito sossegado a um canto, estremecendo ao menor ruído que vinha da rua, pois
esperava de fato a polícia. Foi esse o único assassinato que cometi. Penso que
não é da natureza daqueles que nos erguem às altas posições políticas, porque,
até hoje, eu…
Dona Margarida, mulher
do doutor Ponciano, veio interromper-lhes a conversa, avisando-os que o “ajantarado”
estava na mesa.
BARRETO,
L.; SARDINHA, M. O homem que sabia javanês e outros contos. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1996. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000153.pdf>.
Acesso em: 26 out. de 2020.
Agora
que você já leu o conto, que tal ouvir uma versão dramatizada de “O Único
Assassinato de Cazuza”, tenho certeza de que vai gostar. A dramatização está
excelente e ajuda muito no entendimento do texto.
E
agora, para finalizar nosso terceiro roteiro de estudos do 4º bimestre, peço para
que você responda um formulário online com perguntas referente a leitura que
acabou de fazer e ouvir.
Para ter acesso ao
formulário, só clicar aqui!
Me despeço aqui, amigx!
Responda o formulário
com bastante atenção.
Até a próxima.
Fique bem!!!
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