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Historiadora ganense cria repositório cultural do continente africano
Amanda Massuela
15 de maio de 2018
A historiadora, curadora e cineasta ganense Nana Oforiatta
Ayim, criadora do Cultural Encyclopaedia (Divulgação)
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Nana Oforiatta-Ayim tem um projeto ambicioso. Desde 2016, a
historiadora, curadora e cineasta ganense trabalha na formulação de uma grande
enciclopédia cultural pan-africana, a Cultural Encyclopaedia. A intenção é
reunir e catalogar a arte, a cultura e o pensamento – histórico e contemporâneo
– produzido pelo (e sobre) o continente.
Um trabalho hercúleo, sem data de conclusão, mas que
Oforiatta entendeu que “precisava ser feito” por volta de 2009, quando iniciou
um doutorado em Linguagens e Culturas Africanas na Escola de Estudos Orientais
e Africanos, na Universidade de Londres.
Durantes as muitas horas de pesquisa e biblioteca, ela
esbarrava na produção de dezenas de pensadores, filósofos e artistas africanos
“brilhantes”, quase sempre desconhecidos, que estudavam desde a arquitetura do
norte de Gana no século 18 à Teoria do Caos – e sobre os quais havia pouca ou
nenhuma informação online, de fácil acesso, disponível.
“Há tanto conhecimento sobre o continente africano, mas a
menos que você pesquise a fundo não consegue encontrar”, explica Oforiatta à
CULT na sede do Instituto Goethe em Salvador, durante o seminário internacional
Ecos do Atlântico Sul, do qual foi uma das conferencistas. “Quis criar um
espaço em que esses nomes pudessem dialogar entre si e com leitores em
potencial.”
No site, curado por ela e outros 16 colaboradores, é
possível navegar por 14 categorias – entre antropologia, política, teatro,
sociologia, moda, arquitetura etc -, e encontrar verbetes sobre pensadores e
artistas, sumários de teses e livros, documentos, trailers de filmes e ensaios
fotográficos.
Sempre em construção, a plataforma pretende ser mais um
mapa de referências capaz de “facilitar o (re)ordenamento do conhecimento, das
narrativas e das representações do e sobre o continente africano” do que uma
plataforma definitiva. Eventualmente, o site deverá se transformar em uma
espécie de Wikipedia, aberto para que os próprios usuários publiquem e editem
conteúdos.
Por enquanto, o projeto – que recebeu um aporte de 40 mil
dólares do Museu de Arte do Condado de Los Angeles em 2015 – existe apenas na
internet, mas a ideia é que também sejam publicados 54 volumes impressos
dedicados à produção artística e intelectual de cada país, começando por Gana,
terra natal de Oforiatta. Ela prevê que este primeiro livro seja finalizado em
2019.
“Em 2011, viajei de Lagos [Nigéria] até Addis Ababa
[Etiópia] com um grupo de fotógrafos para investigar realidades e produções
culturais locais”, conta, referindo-se ao projeto Invisible Borders, “e eu
realmente tive que cavar essas histórias. Então pensei que deveria haver um
livro que, mesmo que não desse todo o caminho, indicasse algumas direções”.
A essa altura ela seu projeto não era impossível de se
realizar. É que naquele mesmo ano saía o livro African metropolitan
architecture, no qual o arquiteto (e amigo de Nana) David Adjaye documentou,
durante viagens que fez aos 54 países africanos, a arquitetura do continente.
“Eu trabalhei com ele nesse livro, então sabia que era possível uma pessoa
fazer esse tipo de trabalho enciclopédico, porque ele fez isso em dez anos”,
conta.
O Cultural Encyclopedia também já existiu como exposição de
arte. A primeira abriu em 2017 na capital de Gana, Acra, em um espaço de arte
sem fins lucrativos chamado ANO, fundado em 2002 pela própria Nana. A mostra
incluiu fotografias históricas da formação de Gana, vídeos e objetos coletados
em Accra durante a primeira expedição do Mobile Museum, uma espécie de museu
móvel que percorreu dez regiões africanas a partir de 2016 em mais uma
iniciativa organizada por Nana.
“Muitos dos museus do Ocidente reúnem coleções de
aventureiros ou de descobridores que iam a outras terras e traziam de volta
objetos do outro. Isso é muito problemático”, critica. Os projetos e ações de
investigação e preservação cultural da curadora costumam partir desse lugar da
reorganização de narrativas e da descolonização dos saberes. Para a sequência
de 54 enciclopédias impressas, ela planeja contar com outros times de editores
em diferentes países – e, até agora, já há equipes em 22 deles.
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